sexta-feira, 2 de maio de 2008

TEOLOGIA ESPIRITA

A POLÊMICA TEOLOGIA ESPÍRITA

Desde que a Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas – SBEE, de Curitiba, PR., informou haver obtido do Ministério da Educação autorização para implementar o primeiro Curso de Bacharelado em Teologia Espírita no Brasil, uma nova polêmica está criando vulto no movimento espírita do país: existe uma “teologia espírita”? Há também quem se põe em desacordo com a idéia de “cursos superiores” de espiritismo.

A Proposta da SBEE

O curso pleiteado pela SBEE deverá ser ministrado pela Faculdade Dr. Leocádio José Correia, estabelecimento recém criado por aquela sociedade. Segundo informam seus dirigentes “o Curso de Bacharelado em Teologia Espírita objetiva o estudo sistemático, acadêmico, da Doutrina dos Espíritos, dando seqüência ao esforço de quase 50 anos da Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas no sentido de reconceituar o Espiritismo no Brasil”. O corpo docente será formado por especialistas, mestres e doutores de diversas áreas. As aulas deverão abranger conhecimentos sobre ética, sociologia, antropologia, transdisciplinaridade, filosofia, formação pedagógica, tecnologia da informação, formação do conhecimento, estudos das religiões e matérias voltadas ao espiritismo. O objetivo, segundo informa a SBEE, é “formar pesquisadores, pessoas com senso crítico e visão científica”.

Em entrevista à revista “Isto É” (20.11.2002), o presidente da SBEE, Maury Rodrigues da Cruz, declarou que a “a idéia do curso é formar não só bacharéis, mas também pesquisadores do espiritismo”, acrescentando: “é preciso dar massa crítica e espírito investigativo à obra de Kardec”.

Maury Cruz, da SBEE, em entrevista à “Isto É”: “A Faculdade quer formar pessoas com senso crítico e visão científica”.

A Opinião da USEERJ

Uma das primeiras manifestações contrárias à idéia veio da União das Sociedades Espíritas do Estado do Rio de Janeiro, USEERJ, que, em circular, cita o pensamento do espírito Emmanuel, segundo quem “a Teologia, na maior parte das vezes, é o museu do Evangelho”. A entidade ataca a idéia expressa pela SBEE de “reconceituar” o espiritismo, dizendo que a proposta é “temerária e imprudente”, na medida em que a Doutrina Espírita, como “Verdade Eterna advinda da Nova Revelação, não admite novos conceitos senão aqueles que nos chegaram através da Espiritualidade Superior...”. A USEERJ considera que esse tipo de iniciativa “pode levar a uma indesejável desvirtuação dos verdadeiros objetivos da Doutrina Espírita que, como Cristianismo Redivivo (Cristianismo do Cristo) deve se pautar pela mais absoluta pureza da verdade evangélica”.

Intelectuais espíritas mostram preocupação

Para Luiz Signates, Professor de Comunicação Social da Faculdade Federal de Goiânia, o surgimento de cursos de teologia espírita pode representar um mal na medida em que consolida o processo de institucionalização sistêmica do espiritismo. Mesmo assim, declara-se simpático à idéia das faculdades espíritas: “desde que não se afivelem ao policiamento doutrinário em que o movimento espírita brasileiro mergulhou” e que “constituam espaços de discussão aberta e inteligente com os mundos corpóreo e espiritual, utilizando para isso todos os instrumentos da ciência e da filosofia”. Para Signates esses cursos “não devem formar espíritas, teólogos ou teônomos, médicos ou psicólogos, institucionalizando de vez a identidade espirita com base em critérios profissionalizantes” e sim “formar cidadãos do mundo, de qualquer profissão”, para os quais “a idéia espírita seja apenas uma das opções possíveis e a ética espírita seja simplesmente a ética universal da fraternidade”.

Luiz Signates teme pela institucionalização da identidade espírita com base em critérios profissionalizantes.

Já o historiador espírita Mauro Quintella, de Brasília, acha “simplesmente ridículos esses cursos superiores de espiritismo”. Diz que, “historicamente, o espiritismo não se constituiu/desenvolveu dessa forma”. E que “se a coisa pega”, teremos “doutores de espiritismo nos centros, vomitando regras acadêmicas e exigindo genuflexão a seus diplomas”. Isso, diz, “será o fim da pouca brisa de liberdade que ainda bafeja o movimento”.

Para o pensador espírita carioca Márcio Sales Saraiva, o temor é que “por trás da proposta de uma Faculdade de Teologia resulte na fundação da Igreja Espírita, com seus sacerdotes e teólogos diplomados”.

O físico e escritor espírita fluminense Carlos de Brito Imbassahy reporta-se à sua obra “E Deus, Existe?” que teve como fito acabar com o conceito de Teologia Espírita: “Em seu lugar proponho o neologismo Teonomia e justifico minha proposta no livro em questão”. Sugere uma consulta à sua página www.carlosimbassahy.hpg.ig.com.br, onde diz porque é radicalmente contra o conceito de teologia espírita.

Imbassahy propõe o neologismo “teonomia” em vez de teologia espírita.

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Nossa Opinião

UM CRÉDITO DE CONFIANÇA

O debate sobre a implantação de uma Faculdade de Teologia Espírita pode se tornar interessante. Sabe-se que a idéia de uma Universidade Espírita já era defendida por J.Herculano Pires. Mas, sem dúvida, o termo traz uma carga histórico conceitual que pode comprometer a idéia. Nunca é demais lembrar o princípio defendido por Kardec de que para idéias novas, o ideal é criar palavras novas. Ademais, teologia é, semanticamente, “o estudo de Deus”. Um curso, seja em que nível for, de espiritismo é muito mais do que a busca de uma conceituação de divindade. É, fundamentalmente, um estudo do próprio homem, enquanto ser atemporal, imortal e em processo de permanente evolução individual e coletiva.

Os pensadores ouvidos mostram uma preocupação compreensível com o risco da institucionalização e da sectarização. Quem, no Brasil, se dispõe a pensar livremente o espiritismo logo se depara com patrulhamentos de toda a ordem que o faz temer, com inteira razão, pelo desvirtuamento de idéias que, teoricamente, até podem ser boas, como esta, mas que, normalmente, são mal executadas .

O que não parece razoável é a preocupação da USEERJ que comparece ao debate com a surrada idéia de que nada deve ser reconceituado, porque tudo o que temos procede da “Espiritualidade Superior”. A matriz desse pensamento é aquela que, aqui, temos sistematicamente repelido: a que rejeita toda a contribuição humana, intelectual, no processo de avanço do conhecimento espírita. Mais do que a idéia da reconceituação, o que a USEERJ ataca é a idéia da atualização, sempre tão temida pelas instituições religiosas conservadoras.

De nossa parte, pensamos que os espíritas livre-pensadores devem conceder um crédito de confiança à iniciativa da SBEE, na expectativa de que ela se constitua, efetivamente, em avanço no campo do livre desenvolvimento da ciência, da filosofia e da ética espíritas, enquanto contribuição cultural do homem em favor do homem. (A Redação).

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Editorial

TODOS QUEREM A PAZ

- Qual é a causa que leva o homem à guerra?

- Predominância da natureza animal sobre a natureza espiritual e satisfação das paixões. (...). (“O Livro dos Espíritos” - questão n° 742).-

Quem acompanhou o esforço norte-americano junto ao Conselho de Segurança da ONU para que este aprovasse sua proposta de guerra contra o Iraque pode, eventualmente, ter encontrado razões que a justificassem. As complexas relações internacionais, no mundo de hoje, envolvendo interesses das mais diversas ordens, estabelecem uma lógica muito peculiar a partir de cujos parâmetros facilmente se chega ao conceito de guerra justa ou de guerra necessária.

Há, entretanto, a lógica da guerra e a lógica da paz. Aqueles que vivem sob os paradigmas desta última nunca encontram justificativa para um conflito bélico. Põem a vida humana acima de qualquer ideologia, de qualquer valor mercantil, crença ou sistema de poder. A posse da paz é uma conquista que, quando obtida, se faz irrenunciável.

Malgrado a guerra, real ou iminente, que tem, sistematicamente, sacudido o mundo, há alguns sinais muito evidentes de que estamos aprendendo a valorizar a paz. É verdade que os Senhores da Guerra ainda detêm o poder sobre o Planeta. Episodicamente, podem, inclusive, convencer enormes parcelas das nações que comandam da conveniência da guerra ou da excelência de sua lógica. Claramente, entretanto, eles perdem influência. Prova disso foram as eloqüentes manifestações ocorridas no dia 15 de fevereiro último, em todo o mundo, contra a iniciativa da guerra. Um detalhe significativo: mesmo naqueles países cujos governantes formalizaram a adesão à guerra, as multidões, aos milhares, foram às ruas e praças dizer “não à guerra”. Pouco importa que sejam ou não ouvidas, mas deixam claro o divórcio entre a lógica de seus governantes e sua própria lógica. Aquela justificando a guerra. Esta colocando a paz como única alternativa viável à Humanidade em seu estágio atual.

São prenúncios de um novo tempo. Tempo antevisto e vivenciado por figuras amoráveis e pacifistas de ímpar verticalidade, como Buda, Jesus de Nazaré, Francisco de Assis, Mahatma Ghandi, Martin Luther King, Madre Tereza de Calcutá, Francisco Cândido Xavier, e tantos outros cujas idéias pairaram por sobre a brutalidade e a miséria humana para que, através deles, fluísse, límpido, o ideal que, no fundo, todos abrigamos, embora nem sempre tenhamos coragem suficiente para romper com os velhos paradigmas: o ideal da paz.

Na verdade, todos querem a paz. Nem todos, entretanto, e, notadamente, enquanto detentores do poder, conseguem liberar-se facilmente da “natureza animal” que, segundo os espíritos, teima em predominar sobre a “natureza espiritual”, que é a própria e verdadeira natureza humana.

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Notícias

CURSO DE INICIAÇÃO – AINDA É TEMPO

Ainda é tempo de inscrever-se para o próximo Curso de Iniciação ao Espiritismo (CIESP), que o Centro Cultural Espírita de Porto Alegre vai promover a partir de 20/3, em seis módulos a se desdobrarem às quintas-feiras (20h30min).

O curso será aberto por Maurice Herbert Jones, com o tema “O Que é o Espiritismo”, seguindo-se exposições de Salomão Jacob Benchaya, abordando: O espírito: imortalidade e intercomunicação; Pluralidade das existências e dos mundos habitados; Concepção espírita de Deus e evolução; Práticas espíritas (preces, passes, desobsessão, estudos, pesquisas, ação social, curas, irradiações energéticas, etc) e práticas não espíritas. O encerramento estará a cargo de Maurice Jones com “As conseqüências morais do Espiritismo”.

Inscrições gratuitas no CCEPA.

Maurice Herbert Jones abre e encerra o curso que será desenvolvido por Salomão.

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ABRADE PROGRAMA FÓRUM EM SANTOS

Segundo informa o boletim da ABRADE – Associação Brasileira de Comunicadores Espíritas, Santos-SP é a próxima cidade brasileira a ter o seu Fórum sobre Política de Comunicação Social Espírita. O evento organizado pela ABRADE, será desenvolvido em 12 e 13 de julho do corrente, mobilizando os interessados na área. Outras cidades já estão mapeadas para receber o Fórum. A ABRADE está convidando a quem quiser desenvolver este projeto a fazer contato através do e-mail: abrade@abrade.com.br .

JORNAL “OPINIÃO” ESTÁ NO MUSEU ESPÍRITA

Uma coleção completa do jornal OPINIÃO e dos encartes CEPA-BRASIL e AMÉRICA ESPÍRITA pode ser encontrada, devidamente tombada, encadernada e arquivada, na hemeroteca do ICESP-Instituto de Cultura Espírita de São Paulo (Museu Espírita de S. Paulo), situado à Rua Guaricanga, 357 (Lapa) - CEP 05075-030 - S.Paulo-SP - fones: (11) 3834-6225/4701 - e.mail: icesp@frontier.com.br , HP: www.frontier.com.br/icesp .

O ICESP - antigo Lar da Família Universal - presidido pelo Dr. Paulo de Toledo Machado, mantém, além do Museu Espírita de São Paulo, o Arquivo do Espiritismo de São Paulo, a Biblioteca Espírita "William Crookes", cine/clube, edições ICESP, a Livraria Espírita "Katie King", a Pinacoteca Espírita de São Paulo, a revista trimestral ICESP e o Serviço Espírita de Assistência Social.

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SEGUNDA-FEIRA É DIA DE IR AO CCEPA

Segue com sucesso a iniciativa do CCEPA de realizar, mensalmente, na primeira segunda-feira de cada mês, uma palestra especial aberta ao público, em sua sede na Botafogo, 678 (Bairro Menino Deus, Porto Alegre).

No último dia 3/2, para um auditório de mais de 80 pessoas, Milton Medran Moreira abordou o tema: “Espiritismo – Um Convite à Felicidade”; Dia 3/3, às 20h30 min., o conferencista será o presidente do CCEPA, Rui Paulo Nazário de Oliveira, falando sobre “O Espiritismo e o Mito da Salvação”.

Nas demais segundas-feiras de cada mês, em atividade também aberta ao público, o CCEPA desenvolve atividades com o Grupo de Conversação Espírita, abordando temáticas variadas sob o enfoque do espiritismo.

Rui Paulo Nazário aborda “O Espiritismo e o Mito da Salvação”, dia 3/3, no CCEPA.

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Opinião em Tópicos

Milton R. Medran Moreira

A Polêmica

Um artigo do pensador católico gaúcho Percival Puggina, em Zero Hora do dia 21/01 último, terminou provocando uma avalanche de cartas para a respectiva seção do jornal porto-alegrense. Puggina fez uma dura crítica aos organizadores do Fórum Social Mundial por convidarem líderes cristãos como Leonardo Boff e Frei Betto, de manifesta tendência socialista, sem jamais haverem dirigido semelhante convite ao Dalai Lama, importante personalidade religiosa mundial, expulso do Tibete, sua pátria, pelo governo comunista chinês. O articulista, um liberal católico, inserido no pensamento mais ortodoxo, tanto teológico como político, na sua manifestação terminou, “en passant”, mimoseado Boff e Betto com o epíteto de hereges, o que desagradou inúmeros cristãos que passaram a protestar nas edições seguintes do jornal.

Os Hereges

Após uma enxurrada de críticas ao artigo, com expressões de solidariedade aos frades chamados de hereges, um leitor do jornal publicou manifestação em apoio a Puggina, dizendo que os escritos de Boff são mesmo heréticos, e que a doutrina cristã está fundada na palavra de Deus, não podendo ser confundida com modismos dos chamados teólogos da libertação.

Despertou-me interesse a polêmica porque admiro os dois pensadores cujos livros, artigos, conferências e entrevistas tenho acompanhado há longo tempo. São dois brilhantes humanistas, um (Boff), já formalmente fora da estrutura da Igreja, e outro (Betto), ainda se assinando como “frei”, mas ambos ferrenhos críticos do conservadorismo e do autoritarismo da Santa Sé, embora se dizendo cristãos e católicos. Mesmo assim, não posso deixar de conceder alguma razão a seus críticos.

Dilemas

Acho que os denominados cristãos progressistas, pertencentes a quaisquer das igrejas, enquanto permanecem na Igreja, convivem com dilemas muito difíceis de equacionar. A visão judaico-cristã de mundo é derrotista e retrógrada, não se compatibilizando com o progresso. Por mais que queiramos relativizar os fundamentos básicos da Bíblia, não podemos nos afastar deste dogma, que é terrível, e que é a base da fé judaico-cristã: o homem terráqueo é herdeiro do pecado. Já nasce detentor da culpa que herdou de seus primeiros pais e só pode ser salvo pela intervenção da graça divina, que o vai liberar dessa nódoa original. E que essa graça, trazida pela missão redentora de Deus encarnado, Jesus, a uns alcançará definitivamente e a outros não. Esses fundamentos, desumanos, injustos e discricionários, são comuns e básicos a toda modalidade de fé cristã. Quem não faz disso um princípio inabalável de fé não tem o direito de se dizer cristão, por mais que ame e admire Jesus ou considere-o, como nós, modelo e guia da humanidade.

Herege, sim

Quando se vê uma alma nobre como Leonardo Boff, tão preocupado com os excluídos, com a justiça social, a ecologia, a igualdade, a compaixão, ser chamado de herege, é natural, como ocorreu com os missivistas indignados de Zero Hora, que se proteste: um homem assim é que é verdadeiro cristão, dirão. Mas, Bertrand Russell, numa famosa conferência pronunciada perante a Câmara Municipal de Battersea (Inglaterra), à qual deu o título de “Porque não sou cristão”, tem um argumento irrefutável: se formos qualificar alguém como cristão apenas a partir de sua bondade, dos seus sentimentos de justiça, do seu espírito caritativo, estaremos sendo injustos para com judeus, budistas, xintoístas, etc., que, com as mesmas qualidades (pois nem só entre os cristãos estão as pessoas boas), não quererão e nem devem ser chamados de cristãos. Então, não são as qualidades morais de alguém que o irão identificar como cristão, mas sua crença nos dogmas fundamentais da fé. Quem, por exemplo, não aceita a divindade de Jesus e sua condição de redentor, único Senhor e Salvador, não pode se dizer cristão. Se assim já creu e disso se afastou, é um herege. Adjetivo que não deve ofender ninguém. Eu mesmo, tempos atrás, fui chamado de herege, em artigo escrito por um espírita-cristão, e fiquei muito lisonjeado com isso. voltar

Enfoque

O SALTO DE KIERKEGAARD

Maurice H.Jones *

Um alpinista solitário buscando fugir, durante a noite, de uma tempestade de neve na montanha que escalara, perde o equilíbrio, precipita-se no abismo e é, então, salvo pela corda de segurança que ancorara na rocha gelada. Suspenso pela corda, em completa escuridão, sem condição de retornar e desconhecendo a profundidade do abismo, deixou-se ali ficar, em angustiosa espera, pois sabia que o frio intenso o mataria em poucas horas e que a única alternativa para esta morte lenta seria desvencilhar-se da corda e saltar para uma morte rápida.

Dominado pelo pavor, naquela vigília que parecia não ter fim, ouve uma voz forte que, superando o medonho ruído da nevasca, ressoa autoritária na sua mente determinando: - Salta, salta e te salvarás.

Várias horas depois, quando a luz do dia retornou e a tempestade amainou, uma equipe de resgate encontrou o trágico personagem já sem vida, ainda agarrado à sua corda e com os pés suspensos no ar a somente cinqüenta centímetros do solo firme.

A fé o convidava ao salto salvador mas, naqueles momentos de angústia e solidão, prevaleceram os argumentos da razão. Esta lhe acenava com a possibilidade, remota é verdade, de sobreviver ao frio e ser resgatado.

Para Kierkegaard, a fé é um modo de existir que nos põe em relação com o absurdo.

Este episódio emblemático, cuja origem não recordo, nos coloca diante do problema da fé que, na visão do pensador dinamarquês Soren A. Kierkegaard (1813-1855) é, definitivamente, um modo de existir que nos põe em relação com o absurdo. Para ele o acesso à verdade suprema depende da crença no absurdo, naquilo que Paulo de Tarso chamou de “loucura”. Por isso devemos dizer “creio porque é absurdo“.

A angústia que acompanha a fé estaria ilustrada, no entender de Kierkegaard, no episódio bíblico no qual Deus pede a Abraão o sacrifício de seu único filho Isaac para demonstrar a sua fé, o que, segundo a ética dos homens, é absurdo e desumano. Abraão não hesitou: aceitando o absurdo da exigência divina saltou da razão e da ética para o plano do absoluto, âmbito em que o entendimento é cego. Para este pensador, a fé cristã é superior à ciência porquê indica a certeza mais alta, uma certeza que se refere ao paradoxo, portanto ao inverossímil. A fé representa, assim, um salto no escuro e, sendo a crença inseparável da angústia, para Kierkegaard o temor de Deus é inseparável do tremor.

Os episódios que ilustram esta reflexão podem ser apreciados de duas maneiras. A visão fideista, desprezando a razão e privilegiando a fé no conhecimento das verdades, certamente aprovará a obediência de Abraão e lamentará a desobediência do alpinista. Já uma visão racionalista, livre pensadora e até mesmo o nosso conhecido “senso comum”, considerará perfeitamente razoável a resistência do infeliz alpinista ao comando daquela voz, ao mesmo tempo em que se horrorizará com a absurda e desumana ordem dada a Abraão que, por isso, deveria ignorá-la.

O confronto entre estas duas visões, que representam momentos distintos na história do pensamento humano, é evidente. A visão medieval, teocêntrica, em que a fé é, sobretudo, submissão, obediência, é desafiada, a partir da renascença, pelo racionalismo humanista. O homem, adolescente rebelde, propõe a Deus um novo contrato em que a parceria substitua a obediência cega, pois ele já “não aceita mais crer de olhos fechados pois quer saber de olhos abertos”. Descobre-se, assim, como legítimo filho de Adão que renunciou ao paraíso pela liberdade de escolher, de errar, de crescer.

A partir deste momento, a necessidade de uma síntese se torna crescentemente imperiosa. Para isto, porém, seria necessária uma mudança na forma de ver o fenômeno, adotando um raciocínio dialético em substituição ao lógico.

O Espiritismo surge no momento histórico em que esta síntese se torna possível. O fideismo tinha muito poucos defensores e, por outro lado, era bem menor a paixão pela razão, como único meio de se chegar ao conhecimento da realidade.

O jornalista Luiz Signates em um excelente e fundamentado artigo nos fala da conciliação, no Espiritismo, desses conceitos antagônicos que se conjugam na explicação da realidade, resultando numa fé aberta, dialogal que forma um par dialético inseparável com a razão.

A natureza sintética do Espiritismo, tão bem destacada por Leon Denis, torna-se evidente no conceito de “fé raciocinada” que Kardec incorporou ao pensamento espírita.

A visão dinâmica e livre pensadora oferecida pelo Espiritismo nos convida enfaticamente a superar dialeticamente o conflito entre a postura de submissão alienante do fideismo e a arrogância racionalista, com aquilo que José Herculano Pires chamou de fideismo-crítico, ou seja, a nossa fé raciocinada.

Analisando o aparente paradoxo desta expressão no abra A Revolução da Esperança, o psicanalista Erich Fromm diz que a fé é irracional quando é submissão a determinada coisa que se aceita como verdadeira independentemente de sê-lo ou não. O elemento essencial desta fé é o seu caráter passivo. Já a fé racional refere-se ao conhecimento do real que ainda não nasceu; baseia-se na capacidade de conhecimento e compreensão que penetra a superfície e vê o âmago. A fé racional, continua ele, não é previsão do futuro; é a visão do presente num estado de gravidez; é a certeza sobre a realidade da possibilidade.

Sintetizando o modo pelo qual o Espiritismo aborda o problema da fé, poderíamos dizer, parafraseando Herbert Spencer, que “existe uma alma de razão nas coisas da fé e uma alma de fé nas coisas da razão”.

* Maurice Herbert Jonesmitto@terra.com.br – ex-presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul e, também, do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre do qual é, atualmente, vice-presidente; assessor especial da presidência da

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